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Entre casamentos proibidos e excomunhão

Texto: Desembargador Lidivaldo Reaiche

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Para o ingresso na Magistratura portuguesa, os bacharéis em Direito atuavam na advocacia por um período de dois anos e, após o interstício, submetiam-se à seleção.

Depois da nomeação, os funcionários do serviço real deveriam assumir as funções na Colônia, no prazo máximo de oito meses. O período de permanência dos Desembargadores, em Salvador, era de, no mínimo, 06 anos, tendo alguns trazido familiares e escravos. Outros desembarcavam solteiros ou sozinhos.

Portugal não queria que os Desembargadores criassem vínculos no Brasil, razão pela qual o próprio Regimento do Tribunal proibia os casamentos com nativas. Um Alvará, de 22 de novembro de 1610, reforçava a vedação. Entretanto, as normativas não conseguiram impedir os matrimônios com brasileiras, geralmente, herdeiras das famílias abastadas proprietárias de engenhos de cana-de-açúcar. Ainda assim, os Magistrados deveriam obter uma autorização especial, sob pena de punição. A primeira união conjugal ocorreria em Olinda, no dia 28 de junho de 1612, quando o Desembargador Manoel Pinto da Rocha desposou a rica viúva Catherina de Frielas.

Até mesmo a vida social dos membros do Tribunal da Relação era controlada pela Metrópole, permitindo, somente, a convivência entre os pares, evitando laços com moradores locais.

A dedicação exclusiva dos Desembargadores ao serviço real proporcionava a atuação em diversas áreas (alfândega, inspeção nas províncias, fixação de preços), mas havia restrições à atividade comercial, violadas pelos que desejavam enriquecer na Colônia, com a aquisição de engenhos, a atuação no tráfico de escravos e na caça às baleias, associando-se a comerciantes ou se utilizando destes, permanecendo como proprietários ocultos. Isso valia para os servidores. Tais transgressões resultariam em perda do cargo.

O Pelourinho, instrumento de execução da pena de açoite, e símbolo da Justiça de Portugal, inicialmente foi instalado na Praça do Palácio, em Salvador. Nele poderiam ser castigados homens e mulheres, escravos ou livres, autores de delitos.

O segundo Chanceler (Presidente da Relação) Ruy Mendes de Abreu, que assumiu no ano de 1611, integrou uma junta administrativa interina quando o Governador Diogo de Menezes (1608-1612) deixou o governo, até a chegada de Gaspar de Sousa, em 1613, incumbido de expulsar os franceses do Maranhão.
Gaspar de Sousa desembarcou no Recife, para comandar as lutas. Ele constituiu nova junta governativa, enquanto estivesse ausente da capital da Colônia, mantendo o Chanceler Ruy Mendes de Abreu. Entretanto, por ironia do destino, no dia 17 de fevereiro de 1614, cinco navios corsários franceses surgiram na Baía de Todos os Santos. Os militares, lotados em Salvador, organizaram uma pequena frota para enfrentar os inimigos. Todavia, ocorreu uma tragédia. Mais de duzentos homens morreram no naufrágio de um navio, incluindo muitos jovens soteropolitanos, que, bravamente, defendiam sua terra. O Desembargador Balthasar Ferraz, um dos três que conseguiram desembarcar, quando da tentativa frustrada de instalação do Tribunal em 1588, tornou-se Advogado no foro baiano e rico comerciante. Faleceria de tristeza, pois seu filho estava na embarcação naufragada e foi resgatado com mais dois sobreviventes pelos próprios franceses, que os deixaram, por maldade, na costa deserta do Maranhão, onde morreram de fome.

Embora os Desembargadores estivessem sujeitos ao poder correicional do Governador-Geral (Gaspar de Souza suspendeu Pedro de Cascais, em 1614, por animosidade),os atos da gestão executiva podiam ser revistos pela Relação. De outra banda, o Chanceler substituía o Governador, eventualmente.

A Corte de Justiça já necessitava de um imóvel próprio, porquanto ainda se reunia na sede do Governo. Na administração do Governador Luiz de Souza, iniciada em 1617, começou a construção de uma casa, contígua ao Palácio, unidos por um passadiço.

Era comum a falta de quórum no Tribunal, pois seus membros, constantemente, viajavam a serviço. Numa inspeção às capitanias meridionais (na atual região sudeste), em 1619, o Desembargador Antão de Mesquita levou uma guarnição de doze soldados.

No ano de 1621, a Colônia se despediu do Governador Luiz de Souza, que voltou para Portugal. Por sua vez, o então Chanceler Manoel Pinto da Rocha, que havia substituído Ruy Mendes de Abreu, em 1620, faleceu. A Relação teria como Presidente Antão de Mesquita.

Com o passamento de alguns Magistrados e o retorno de outros, restaram poucos Julgadores, tendo o novo Governador, Diogo de Mendonça Furtado, no ano de 1621, trazido de Portugal sete novos Desembargadores.

O clero, no Brasil Colônia, era remunerado pela Coroa Portuguesa, havendo conflitos, com a Corte de Justiça, sobre a prioridade no pagamento de seus membros, tanto que, em fevereiro de 1610, o quarto Bispo da Diocese de São Salvador, Dom Constantino Barradas, excomungou o Desembargador Pedro de Cascais, que, como interino no cargo de Provedor-mor da Fazenda, atrasou a remuneração dos religiosos. Além disso, a Igreja não se conformou com a perda do poder no julgamento de condutas consideradas pecaminosas. Exemplo de contenda ocorreu no início de 1624, quando o Desembargador Francisco Mendes Marrecos, também Procurador da Coroa, viu-se excomungado pelo quinto Bispo, Dom Marcos Teixeira de Mendonça, por ter impedido a expulsão de portugueses casados em Portugal, mas que viviam maritalmente com mulheres brasileiras. Este prelado era autoritário e inimigo do Governador Diogo de Mendonça Furtado. Opôs-se à criação do Bispado do Maranhão e, anteriormente, funcionara como Inquisidor do Estado do Brasil. Travaria uma batalha de liderança com o Chanceler Antão de Mesquita, durante a Invasão Holandesa.

Desembargador Lidivaldo Reaiche*

Referências bibliográficas:
A Relação da Bahia – Affonso Ruy
Burocracia e Sociedade Colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – Stuart Schwartz
História Geral do Brasil – Visconde de Porto Seguro
Memória da Justiça Brasileira, volume 1 – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia – Anotações de Braz do Amaral – Inácio Accioli de Cerqueira Silva

*O Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto retrata a História do Tribunal da Bahia, desde a época que funcionou como o Tribunal da Relação. Estudioso e pesquisador do tema, o Desembargador Lidivaldo é Presidente da Comissão Temporária de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis) e membro da Comissão Permanente de Memória.

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